libélulas só vivem por sete meses

décimo oitavo andar

O que eu vejo quando as fotos 
Estão cobertas de poeira e nem o deslizar 
Dos dedos é suficiente para reconstruir memórias?
Alguém diria que o tempo é questão 
De espera, de escutar o passar dos pássaros, 
De absorver demoras. 
Imagino então que o tempo 
Deva ser essa agitação 
das folhas das árvores,
Esse tremer de um corpo frágil
Até então esculpido em mármore.

Mas o que eu vejo 
Quando sem escutar o passar dos momentos
Percebo que tudo mudou de lugar? 
É um problema gramatical,eu acho. 
Talvez seja a falta de verbos para o tempo 
Que poderia ter sido caso 
O vento não soprasse dessa maneira, 
Caso os pássaros não passassem pela minha janela
carregando estes cantos,
Caso não houvesse essa realidade 
Em que até os poemas 
São cobertos pelas areias do tempo. 

Mas o que eu vejo 
Quando percebo que as palavras
Mudam de sentido com os momentos? 
Acontece que há três segundos 
Eu nunca poderia ter previsto 
As palavras dos próximos três segundos 
E de repente vão se passar dias, semanas, meses
E quando eu menos esperar 
(sei que vai ser quando eu menos esperar) 
já vão ter se passado 20 anos
De adivinhar palavras, de soletrar emoções 
De pensar que talvez se fosse uma outra canção, 
Um outro tom, 
Uma outra vibração, 
Já acreditaríamos sem precisar de textos sagrados 
Porque até as páginas destes também se pintam 
Do amargor do tempo passado.

Você me pergunta se eu acredito no tempo
E eu te respondo 
Que mesmo com ele eu não me envolvendo, 
Não ouso falar sobre as horas
sem antes te olhar assim, 
ardendo.

areias do tempo

“O que poderia ter sido também é um fato.”
É a primeira frase dita 
Quando já não podemos distinguir 
sonhos de realidade.
Se eu soubesse de números,
Te mostraria com equações que fatos 
Também podem ser sonhados 
E de repente 
Pareceria o amor ser mais do que uma lenda urbana, 
E se deixar entregar em paixões ardentes
se tornaria um fardo contente. 
O tempo que poderia ter sido também é um fato. 
E também são fatos os cachos do teu cabelo,
As provas encaracoladas das voltas do tempo: 
Na primeira volta te olho de cabelo curto,
O rosto um pouco mais jovem, 
O olhar mais soturno; 
Na segunda volta não precisamos mais de palavras
Tudo passou a ser questão de gestos, 
De formar caminhos em pleno deserto; 
E na terceira volta, 
Bem, na terceira volta é recontar os passos, 
É recordar os poréns,
É perceber que apesar de não terem sido 
Mil e uma noites,  
Mil e uma noites poderiam ter sido,
Mil e um fatos também. 
A questão é que eu sempre pensei nas palavras, 
Você sempre se preocupou com gestos, 
E se houvesse mais tempo, e se houvesse mais um dia, 
E se de repente nos encontrássemos num campo aberto de instantes, 
Talvez
Talvez assim eu poderia ter te olhado sem culpa, 
Talvez dessa maneira teriam os lábios 
Performado a nossa própria cura. 
Quando penso que um milagre 
Também pode ser um fato, 
Tento lembrar que tudo o que é mais sonhado,
Aqueles instantes que à memória custam 
Sempre voltam a ser realidade 
Mesmo diante 
Das águas mais turvas

fatos

fósforos

Um canal pra postar alguns poeminhas meus recitados por mim. Às vezes acompanhados dos três acordes que eu sei fazer no violão.

Antônio de Oliveira