Samba pra Lua

Nesta altura “Moçambique” - está se apresentando com a escala si, lá, sol, fá#, mi… fá#, mi… “os anjos cantam no céu, maria virgem canta na glória… abençoada seja a hora que eu vivo casa a dentro mundo a fora…”… uma bela surpresa pra quem procura uma história com princípio, meio e fim… tenho a sensação que a harmonia suspensa vai nos segurar, fazer voar ou até mesmo levitar. A música decresce ao silêncio. Penso no adágio da música anterior e me surpreendo com uma bela melodia nesta, com arquitetura de engenheiro refinado que finge repetir a bela melodia (fá#, mi, si, ré, dó, si, lá, mi, sol, lá…) enquanto sugere harmonias pra todo lado, montando através da participação do grupo, o piano, a viola, sopros, a bateria e a voz… um ponto culminante do grupo em Moçambique… segue o grupo de acordes com improvisações do baixo e do piano — revelam parte das personalidades dos solistas em suas improvisações… a bela melodia volta com seu tom de ladainha, tom menor, esperança, confraternização. Neste ponto a surpresa do tom maior na bela melodia mostra que a arquitetura melódica veio pra ficar — desde há muitos séculos ela veio pra ficar. Ficou e aparece em pessoas maravilhosas como Tom Jobim (Ah, por que estou tão sozinho? Ah, por que tudo é tão triste? Ah, a beleza que existe… A beleza que não é só minha... Que também passa sozinha)… isso sempre me pareceu o melhor que a arquitetura melódica pode apresentar. 
Não sei porque Moçambique titula essa LADAINHA... mas isso não tem a menor importância, está uma beleza!
Egberto Gismonti.

MOÇAMBIQUE

“Chovendo na roseira” — este arranjo contém a engenharia refinada citada antes. Parabéns ao André pela elaboração e uso da sua forma de composição e arranjo na construção desta versão que qualifica o violão, a música brasileira, (sempre imaginando que o Tom daria aquele sorriso de aprovação) e nossa alegria. Uma beleza. Egberto Gismonti.

     “Double Rainbow” — this arrangement has the refined engineering mentioned earlier. Congratulations to André for developing and using its form of composition and arrangement in the construction of this version that highlights the guitar, Brazilian music (always thinking that Jobim would give his approving smile), and our joy. A beauty. Egberto Gismonti.

Catamarã

CHOVENDO NA ROSEIRA

O título “Anagrama” - me fez pensar na hipótese de ser uma orientação à análise desta canção. Lá estão as notas fá, mi, ré, dó, si...fá, mi, ré, dó, si, si, mi, si, lá, mi, si, sol...  que aparecem em ordem direta ou indireta (via harmonia), orientando as inversões ou alterações sequenciais das letras que Anagrama tem no seu verbete. A repetição das notas leva a audição da harmonia suspensa que nós e os mouros gostamos tanto. Mas o movimento lento da música, apaga a sensação dos mouros e me leva à forma sonata… penso na Europa e sigo escutando e especulando à procura da história tradicional, com princípio, meio e fim. Egberto Gismonti

ANAGRAMA

O que mais gosto nesta bela música é o arranjo e o uso da instrumentação que mostra ou sugere um “catamarã” com 2 cascos esguios e paralelos furando as águas de um mar imaginário, navegando sempre pra frente, com o vento em popa estimulando o propósito de chegar a ilha desejada. As linhas do baixo com tambores & pratos sustentando as melodias dão estabilidade à navegação; as melodias com cores variadas estabilizam o sonho; a força das águas ou deste arranjo é feliz e convincente… vamos em frente até achar a ilha imaginária? Egberto Gismonti

CATAMARÃ

é uma bela música onde o grupo se mostra com a mesma qualidade proposta pela composição e pelo arranjo. A parte de violão é mesmo uma parte “de" ou “para" violão. Digo isso com alegria por experiência da sensação de ouvir algo criado exclusivamente para violão, e, não adaptado para violão. A história que eu procurava está se mostrando, de forma abundante, em outras coisas, com mais solidez e representação. Vamos em frente. Egberto Gismonti

CATERETÊ

Se existir qualificação de parentesco entre músicas eu posso afirmar que Jongo é primo(a) em 1º grau de Catamarã. Daí basta reler, de forma mais corridinha, a observação feita para Catamarã. Seria uma espécie de retorno ao ponto de partida com ventos mais fortes e com visibilidade mediana. Egberto Gismonti

JONGO

As informações que eu procurava desde o início nas considerações, uma história tradicional, com princípio, meio e fim, eu não achei. Por outro lado achei outra coisa com a mesma valia e dimensão da desejada história. Achei a trilha sonora de um sonho, que se não tem princípio, meio e fim, tem o sonho - que carrega à reboque a desobrigação da história com princípio, meio e fim. Para reforçar a ideia do sonho, preciso falar que a audição da “Valsa” me chamou a atenção para a distância da realidade, que imagino, vivam o André e o grupo (Bruno Pimenta, Elizah Rodrigues, Gabriel Zara, Júlio Erthal, Luca Bernar, Leonardo Pires, Tabajara Belo, Titane e Vito Duarte), enquanto tornam a música desse CD possível! 
Por exemplo, a decisão do André de imaginar que dentro de um violão existem as ressonâncias e acústicas das igrejas Barrocas Mineiras e até mesmo do Taj Mahal (mausoléu situado em Agra, na Índia). 
A apresentação da valsa, feita pelo violão, revela a realização do sonho desejado. Apesar de eu não gostar de observações técnicas, tenho de tirar o chapéu pela digitação e execução das escalas, arpejos ou melodias criadas por intervalos contíguos, usando várias notas em cordas separadas, deixando que a caixa do violão faça o serviço do sonho de ressonância eterna (ou quase). Sei da dificuldade que exige manter a mão esquerda parada e a direita em suspenso para que o instrumento “trabalhe e invente” o silêncio através dos harmônicos ou das notas que soam por simpatia. Tenho certeza que a concentração à execução delicada, frágil mas de consistência da madeira mais dura é conseguida com muita dedicação e sonho. Isso requer paciência, conhecimento e confiança. 
Essas observações revelam o tamanho da dedicação do grupo que respeita a música que faz. Os arranjos das composições tem a dosagem certa para representarem as composições. As vozes aparecem misturadas com as melodias em forma de música ou texto. Os “adágios” ou movimentos lentos em cada composição podem significar as variações e mudanças de rumo como nos sonhos verdadeiros (existentes ou não). Quanto ao sonho e não a história que eu procurava, passa a ter ou passa a dar àqueles que ouvem o CD, o direito de imaginarem, com absoluta liberdade de tempo e emoção, as histórias que desejarem - verdadeiras ou inventadas.
Pra encerrar esse comentário, agradeço a chance de ouvir e comentar mais um CD que cumpre, dentro dos meus parâmetros, a qualidade de ser singular dentro do universo que vivemos, que parece insistir-se no plural.

Parabéns à todos.

Até breve,
Egberto Gismonti
maio de 2016


VALSA

aqui retornamos a engenharia e tudo que dela foi dito. Gosto de músicas que trazem no nome uma forma musical. Gosto mais ainda quando sem permissão ou aviso prévio, ela sai do trilho proposto e anda de monociclo até reencontrar trilhos que lhe conduzam (não necessariamente os mesmos que usava) ao ponto inicial. Egberto Gismonti

MARACATU

me faz pensar na liberdade que podemos ter como povo miscigenado. Misturamos sem razão explícita mas com vontade definida. Pela terceira vez cada música se mostra composta com andamentos ou movimentos diferentes, onde os estilos e formas se dão amigavelmente através da estranheza - entenda essa adjetivação de forma positiva por representar uma liberdade de expressão. Egberto Gismonti

TOCCATA EM RITMO DE SAMBA I

Brazilian classical guitar composed and performed by André Siqueira.

ANDRÉ SIQUEIRA - SERENA

cantodapraia

Compositor, arranjador e multi-instrumentista, doutor em Ciências Sociais pela UNESP campus de Marília- SP, com pesquisa sobre a trilha sonora nos filmes de Glauber Rocha, mestre em música pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) onde desenvolveu pesquisa sobre os procedimentos composicionais do italiano Giacinto Scelsi. É doutorando em Ciências Sociais pela UNESP – Marília – SP.
Formado em música pela Universidade Estadual de Londrina – PR, atualmente é docente da instituição.
Sua trajetória é composta por experiências diversas em cultura popular e por pesquisas em música contemporânea. Tendo gravado com vários músicos e participado de diversas mostras e festivais, utiliza vários instrumentos como meio para a construção de sua escritura musical; flautas, guitarra elétrica, violões, viola caipira, contrabaixo, bandolim e guitarra portuguesa.
Em 2009, participou do “Circuito Syngenta de Viola” no qual dividiu o palco com Paulo Freire e Levi Ramiro e que resultou em um cd com violeiros de todo o país no qual Siqueira, junto com Zeca Collares, assina a faixa “Brincando com as crianças” na qual utiliza uma viola de 14 cordas.
Em novembro de 2009 participou do projeto Vozes de Mestres – Festival Internacional de Cultura Popular – realizado em Natal-RN, junto com a cantora Déa Trancoso onde dividiu o palco com Egberto Gismonti.
Participou em 2007 da gravação do DVD “Violeiros do Brasil” com produção de Myrian Taubkin, acompanhando Pereira da Viola, dentro deste projeto já dividiu palco com Almir Sater, Pena Branca, Paulo Freire, Ivan Vilela entre outros. 
Foi professor de violão e improvisação na Universidade Federal de Ouro Preto e no Projeto “Arena da Cultura” da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte no período de 2004 a 2007. 
Em 2006 participou do 2º CINEPORT – Festival de cinema de países de línguas portuguesas, na cidade de Lagos – Portugal. Foi diretor artístico e curador do projeto “Viola Popular” realizado em Belo Horizonte – MG, também em 2006, através da Lei Estadual de Incentivo a Cultura e com patrocínio da Natura Musical, no qual “mestres” de cultura popular dividiram o palco com músicos que utilizam linguagens contemporâneas. Em 2005 foi finalista do Prêmio Syngenta de Viola Caipira, realizado no Teatro Alfa, em São Paulo - SP. Em 2001 participou do III Mercado Cultural, realizado na cidade de Salvador - BA. 
Atualmente trabalha com o grupo vocal Cluster Sisters, Déa Trancoso, Luca Bernar, Pereira da Viola, Titane, Wilson Dias e Zeca Collares, além de seu próprio trabalho como compositor e instrumentista no qual música brasileira e improvisação surgem como elementos principais.


André Siqueira

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