Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

Motivo

No último andar é mais bonito:
do ultimo andar se vê o mar.
É lá que eu quero morar.

O último andar é mais longe:
custa muito a lá chegar.
Mas é lá que eu quero morar.

Todo o céu fica a noite inteira
sobre o último andar.
É lá que eu quero morar.

Quando faz lua, no terraço
fica tudo luar.
É lá que eu quero morar.

Os passarinhos lá se escondem,
para ninguém os maltratar,
no último andar.

De lá se avista o Mundo inteiro,
tudo parece perto, no ar.
É lá que eu quero morar:
no último andar.

O Último Andar

Vestiu-se para um baile que não há. 
Sentou-se com suas últimas jóias. 
E olha para o lado, imóvel. 

Está vendo os salões que se acabaram, 
embala-se em valsas que não dançou, 
levemente sorri para um homem. 
O homem que não existiu. 

Se alguém lhe disser que sonha, 
levantará com desdém o arco das sobrancelhas, 
Pois jamais se viveu com tanta plenitude. 

Mas para falar de sua vida 
tem de abaixar as quase infantis pestanas, 
e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.

Retrato De Mulher Triste

Pus-me a cantar minha pena
com uma palavra tão doce,
de maneira tão serena,
que até Deus pensou que fosse
felicidade - e não pena.

Anjos de lira dourada
debruçaram-se da altura.
Não houve, no chão, criatura
de que eu não fosse invejada,
pela minha voz tão pura.

Acordei a quem dormia,
fiz suspirarem defuntos.
Um arco-íris de alegria
da minha boca se erguia
pondo o sonho e a vida juntos.

O mistério do meu canto,
Deus não soube, tu não viste.
Prodígio imenso do pranto:
- todos perdidos de encanto,
só eu morrendo de triste!

Por assim tão docemente
meu mal transformar em verso,
oxalá Deus não o ausente,
para trazer o Universo
de pólo a pólo contente!

A Doce Canção

Esta pagina tem como único fim prestigiar e compartilhar narrações e interpretações recitadas da poesia da grande poetisa brasileira Cecilia Meireles, com o intuito de divulgar a obra desta grande artista,sem nenhum fim lucrativo
Cecilia Benevides de Carvalho Meireles nasceu na Tijuca, Rio de Janeiro, em 07 de novembro de 1901, era poetisa, pintora, professora e jornalista. Ainda muito cedo ficou órfã e foi criada pela sua avó. Começou a escrever poesia aos nove anos e aos dezoito anos publicou o seu primeiro livro de poesias, Epectros. Embora vivesse sob influência do modernismo, sua obra apresenta características de várias escolas literárias, com destaque para o simbolismo. Cecilia se casou com o artista plástico português Fernando Correia Dias, com quem teve três filhas. Com depressão aguda, o marido suicidou-se em 1935 e Cecila voltou a se casar com o Agronomo Heitor da Silveira Grilo em 1940.
A poetisa teve bastante importância na vida cultural do país. Suas obras são de grande valor e incluem ainda livros infantis, obras jornalisticas e pesquisas históricas. 
Cecília viajou por vários paises teve grande reconhecimento. Faleceu no Rio de Janeiro em 09 de novembro de 1964.
Suas principais obras são 'Romanceiro da Inconfidência' e o livro infantil 'Ou Isto, Ou Aquilo'.

Cecilia Meireles

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