Era uma vez um homem gago
que gago, que gaguejava
que não, que não parava
de gago, de gaguejar

soube de um sábio de sabre
sobrinho da tia
sobre certa simpatia
pro problema se acabar

comprou um sapo de sapo
de sapa pato
que amarrou trêiz veiz num gato
mangalarga marchador

e foi um tal de benzedeira
e desquebranto
mãe menina, pai de santo
e "tá amarrado meu senhor"

que o gago agora
comia e cochilava
coçava e cochichava
cantava e só tossia

e engasgava e tremia
e se coçava e pulava
sem ter vontade
e falava enquanto dormia

mas não podia 
tentar uma só palavra
que a língua se enrolava
e miava e depois balia

e foi então 
que soube da professora
que era também doutora
em letras e linguística

e se linguística
era um tal que a língua estica
destrava e desenrola
- então salva um engaguejado?

esperançoso
marcou hora e foi, formoso
era bonito e cheiroso
só faltava não ser gago

foi se explicando
ou tentá, tentã, tentando
se, si, se, sá, so-letrando
sobre seu pra, plo, pro-blema

e recebeu o diabo 
do diagnóstico
que nem crente nem agnóstico
podiam discordar:

"- o seu problema
é falta de leitura
mas já tenho aqui tua cura
toma aqui este machado"

"-náaâ não me corta!"
foi gritando assustado
que da morte, no passado
já escapou por um triz

"- não se apavore"
disse logo a professora
que era também doutora
o Machado, era de Assis

e foi um tal
de Machado, Drummond, Bandeira 
Pessoa, Moraes, Lispector 
e Aurélio, o dicionário

que o gago lia
que se regozijava
e a cada palavra lida
aumentava o vocabulário

e confiante,
repleto de cultura
foi ficando mais falante
e escrevendo literatura

já não gagueja
nem mesmo ao telefone
levou sua voz pra rua
comprou até megafone

e hoje luta
nas ruas pela cultura
educação, literatura
tem uma missão bem bela

defende a voz
a rua e a liberdade
a palavra e a verdade
é um poeta, um Tagarela

(Letícia Brito, 08 de setembro de 2014)


Engaguejado

CAMINHOS PERCUSSIVOS
Desde os primeiros percursos  de meus ancestrais
Nossas sandálias marcam passos
Nossos pés deixam rastros

Sons, lutas, memórias
Batuques, caminhos, histórias
Tristeza, dor, guerra
Glórias

As mãos que resgatam nossa cultura
Com o toque preciso sobre o couro
Não se vingam do açoite

Quem negro não nega
Quem livre não aprisiona

A vibração de nossas mãos que golpeiam
Repercute sobre nossa história
Reescreve nossa vitória

A percussão dita o percurso
Escolhidos pelo batuque
Espantamos a cada estampido
O passado do negro sofrido

Ecoam, rufam, vibram
Tambores incisivos
Sabemos onde queremos chegar
Por nossos caminhos percussivos

(Letícia Brito em 27/04/14 para meu amigo Marcelo Amaro)

























































































































































































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Caminhos Percussivos

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