[Tranqueiras]

Ultimamente tenho experimentado uma sensação comum a inúmeros grandes ídolos meus: a necessidade de escrever acompanhada de uma gritante falta de... inspiração? de assunto? certamente falta de resultados, do preto no branco, como diziam meus mais velhos.
Uma alternativa que sempre me auxilia é arrumar meu quarto e meu escritório. Minha desorganização mental fica sempre muito evidenciada nos espaços físicos onde permaneço. E mesmo que não aparente ter tido resultados, divirto-me em ajeitar os instrumentos musicais de um lado, os livros, de outro, colocar o lixo no lixo... 
Vejo em mim os costumes que sempre critiquei em minha mãe: uma compulsão incontrolável por guardar coisas. Eu sei que compulsões são incontroláveis, mas compulsões não bastam para descrever a tradição da família de guardar as coisas que acreditamos “que um dia iremos agradecer por ter guardado”. Elas são duplamente incontroláveis.
Queria saber guardar assim as memórias. 
Tenho guardados episódios esparsos de anos, décadas atrás. Mas com frequência esqueço até o motivo que me fez sair da cama de madrugada. Esses dias, fui acordar realmente com o brilho da tela do computador... ainda bem sonolento, me perguntava por que eu havia ligado aquela máquina diabólica. E a tela inicial rindo de mim, pedindo a senha.
Num desses processos de arrumação percebi que era necessária uma mudança radical - não seria mais possível eu colecionar bugingangas. Não que eu desgostasse desse meu estilo de vida, mas a realidade me impunha uma escolha: precisava manter a casa arrumada, em definitivo. Escolhi o que me era essencial e, aos poucos, fui me acostumando a uma decoração mais leve, redescobrindo o prazer de ter a amplidão como companheira.
Modificar hábitos e vícios nunca é algo confortável, ainda mais quando é algo que, se não foi aprendido no berço, veio de um aprendizado adquirido quando algo forçosamente te empurrou pra fora do berço antes da hora, roubando da infância aquele espaço importante para a fantasia, a imaginação, enfim, o espaço fundamental para a brincadeira, matéria prima de adultos felizes e saudáveis.
Conforme fui me desfazendo de cada tranqueira, consegui achar o espelho que vivia escondido no meio daquela tralha e, graças a ele, me enxergar. Quando você coleciona algo, independente do que, vai se tornando parecido com sua coleção. Assim eu me vi naquele espelho redescoberto no antigo quarto da bagunça: eu, apenas mais uma tranqueira em meio a tantas outras. Quarto este que agora funciona como meu escritório, onde organizo apenas o necessário e meus pensamentos.
Tranqueira é modo de dizer, já que nem tudo o que eu guardava e hoje não guardo mais, merecia ir pro lixo; tinha muita coisa boa ali. Lembro de ter feito algumas doações, de ter direcionado outro tanto para a reciclagem, enfim, de proporcionar um destino digno a tudo aquilo que um dia me fez algum bem. 
E hoje posso dizer que permaneço apenas com o que me acrescenta. Agora quando me faltar assunto novamente, não mais farei a arrumação do quarto, meu novo ritual será apropriar-me de meus espaços vazios, ocupando-os apenas com o que há de melhor em mim. Quem sabe surgem áreas próprias para as memórias?

Tranqueiras

Versos Íntimos Por  Monahyr Campos

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Autora: Maira Garcia

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Não Se Afaste De Ninguém, Ou Manual Do Melhor Amigo Chato

Trecho do romance “A casa das aranhas” (terceiro da trilogia do corpo)

A Casa Das Aranhas

#Podcast Literário
com MonahyrCampos:
"Só Maria" - Trecho do livro:
'As Dez Marias' de Viviane Santyago

As Dez Marias

MONAHYR CAMPOS - Letra é música
MONAHYR CAMPOS - tocou violão, baixo, teclados, percussão e programou samplers.

Abstração

Monahyr Campos é um artista independente, compositor, multi-instrumentista e cantor, é autor de inúmeras trilhas sonoras além de letras para canções populare

Monahyr Campos - música e poesia

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