Em janeiro de 2016 realizei uma performance poética-teatral em Aracaju com o nome Na quadrada triste de Santa Esquecida. Com direção de Gladson Galego e arranjos musicais meus, de Roque Souza, Erik Frog e Romulo Sandes – todos ex-Rótulos – a performance foi realizada no Festival Zons e no Ensaio Aberto. 

Essa é a introdução da performance que compus como mote para a criação dos arranjos. 

voz, efeitos, violão e conga: Pedro Bomba
________________________

Quem quiser assisti-la na íntegra, é só acessar o link:

https://www.youtube.com/watch?v=tS1cU1578u4&t=1475s

Sinopse:

"Dona Vilma mora com sua filha, Sara, no povoado Santa Esquecida, litoral norte do estado de Sergipe. Marisqueira e artesã, Vilma trabalha diariamente para superar os problemas sociais vividos em sua comunidade. Mas os dias e a tranqüilidade estão ameaçados com a chegada de um monstro. Com poesia, música e teatralidade o poeta Pedro Bomba experimenta e compartilha os versos de uma quadrada triste."

texto, poemas e composições musicais: 
pedro bomba 

arranjos, baixo e composições musicais: 
Roque Souza 

arranjos, guitarra e composições musicais: 
Erik Frog 

arranjos, bateria e composições musicais: 
Romulo Sandes 

atuação e direção: 
Gladson Galego

Intro [Na quadrada triste de Santa Esquecida]

Voz de gente voz de cão

palavra:
antes a voz
antes o som.

Voz de gente voz de cão

Numquernumquernumquer 

palavra: 
antes a voz
antes o som.

Numquernumquernumquer

Músicas para ler dormindo no ônibus (2022) é uma compilação de poemas gravados com experimentos musicais, trilhas, efeitos e samples e loops. Com participação de Lesien GB e Camila Duarte. 
___________________ 

Músicas para ler dormindo no ônibus (2018/2022) 
Belo Horizonte, Brasil 

01 - Uma multidão me atravessa os olhos
02 - Desenho
03 - Sou seu amor no pedaço de mundo que escolher (Camila Duarte) 
04 - Decreto Lei 
05 - Homenagem 
06 - Amor Coraje (Lelé Guilén) 
07 - Distraiu Jesus e Roubou um Carro
08 - Se na Vida a Gente Fosse Alguma Coisa sem Precisar Ser 

Poemas: 
Pedro Bomba 

Gravação e Criação Sonora: 
Pedro Bomba

Uma Multidão Me Atravessa Os Olhos

Desenho

Decreto Lei

Homenagem

Se na vida a gente fosse alguma coisa sem precisar ser

O nome que se dá ao amor
Seja ele qual for, 
Ou qual tipo seja
No primeiro gole de cerveja
Molha e mergulha as palavras
Talvez  você saiba
Que arame que fura farpado
Mata o amor de infarto, 
Que não é brincadeira 

Cerca cercando
Gaiolando prendendo
Os braçøs abafando 
O amor se encolhendo 
Quase se convencendo 
De que é assim sempre
O amor abafa a gente 
Que nem polícia faz, 
o amor é assim, né rapaz
corrente, 
que prende
e 
para. 

Parem! 
A minha boca fala de outro amor
amor coragem
Que é alicate
Torando a cerca 
De qualquer pastagem 

Amor Coragem
Que age
Sem mascara, sem disfarce, 
Que escreve na própria face
As marcas da vida
Essa ideia fudida
De propriedade 
Vai deixar de existir


Coragem, amor, coragem
Pois as pernas são pra caminhar
Pular catraca, 
correr da repressão,
dançar na rua, 
subir ladeira, 
chutar bomba de opressão
as suas pernas amor, 
são pra se confudir com as minhas
quando nessa estrada
tu caminhas e vai longe
e vai porque carrega
de monte 
o movimento 
das coisas


Coragem amor, coragem
Pra derrubar as dores que perseguem essas dias
Derrubar a apatia, 
E claro, o presidente 
Eu sei que nessa cidade tem um monte de gente 
Que não liga para nada do que se diz
Eu ouvi, 
Mas é que a coragem é assim
Rebelde, ousada, 
Não respeita nada
E quando se junta com amor
Ela é o que há de mais revolucionária

CORAGEM AMOR, CORAGEM 






Amor Coragem

Quem canta com essa voz? 
Acesa lamparina
Trapos, traços, cortes, cortina

Essa voz que chega
E se apressa
Que lugar onda interessa
Maré bate derruba
Meu peito é uma puta
E eu sou filho dela mesma
Dois ouvidos ainda escuta
A quebra de uma mesa
A cadeira do canto 
Com a mesma bunda 
Perto da pia
A cadeira dela funda
Duas crianças sorria 
E direto pro quarto
Escovar dentes  e a boca
Cheiro forte de mal hálito 
Não é mais forte que a forca

Enforcando de manhã, 
Feijão, arroz, torcendo essa roupa
Depois dessa tem outra
E outra mais outra
Quem canta é louca 
Depois de tudo isso
Soma some sumiço 
Chá de cidreira 
Um sorriso uma brincadeira
De criança, 
Um passo alcança 
A frente de teu rosto 
Posto que me chama 
Este canto veloz
Quem canta, me diga, 
Agora 
Com esta voz? 


Quem canta?

Tereza deitada na calçada 
Na frente da porta da Caixa 
Não tem faixa 
Nem nada 

Tereza de lençol fino 
Não serve pra muito coisa 
No frio da madrugada
Mas é o que tem 
Pra quem não tem 
Nada 
É o que tem 
Pra quem não tem nada

Talvez outra pessoa Tereza, 
Pra se juntar e dividir o que não tem
Repartir o que não tem parte
Muito menos inteiro

Delirios de pedra
Nos morros de pedra
Acesa desde ontem 
Aqui mesmo em belo horizonte
Tereza gosta é de raça negra 
Canta pra lá e pra cá 
E é fã 
De noite de rua cheia,
Tereza está lá, 
Santa Tereza 
Deitada no divã 
Da calçada...


Santa Tereza

Para Débora  

A tua boca tem um segredo
Fale tudo, não tenha medo! 
Fale, que quero escutar
Vem aqui, deixa eu te olhar 

A língua passa por entre os medos 
Quente, arde, em desejo, 
Quando tudo pode em nós dois

Sei que sois agoniado 
Teu jeito destrambelhado 
Faz dos erros poesia 
Perco noite brinco dia 
E não aceito qualquer distância
Sou filho pequeno na infância 
Sorriso corrido neste rosto 
Beijando, bebendo teu gosto, 
Cantando teu amor
sou criança 

no vai e vem destas palavras,
Pisando com um pé e outro nas calçadas, 
A rua tem o cheiro que é o mesmo que o seu
Cheiro de vida, de quem nunca morreu 
Lavadeira que trabalha o dia inteiro 
E depois lavando lavanda no corpo faceiro 
Teu cheiro é de povo
Que nunca esqueceu 

Por isso tua boca não tem calmaria 
É pedra, pau, rebeldia 
É gente e mais gente cantando na praça 
- Abaixo os preços é de graça! 
Pra tudo que na cidade for mudança 
Não espera , eu sei, a esperança 
Chegar e bater nesta porta 
Da tua boca sou revolta 
de teu peito sou guerrilha 
tua rima no rádio de pilha 
noticiando nosso sexo no asfalto 
na frente de toda corporação da policia 
tomando de amor 
o país inteiro de assalto! 

A tua boca

A todos os Povos Indígenas 

tanto faz, como tanto fez 

tanto faz, como tanto fez 
se na primeira vez 
a corja suja e o português 
puxaram do chão um pano branco que cobria e descobriram que ali havia 
terra que homem branco não sabia 
e o homem branco inteligente como é 
disse logo que não queria saber da qual é 
nem em parcelas 
nem no cartão 
trago tudo aqui na minha mão 
o extermínio 
vamos dividir em sete vezes no pré-datado
mas terra, escute bem
à vista

tanto faz, como tanto fez 
se no livro de história 
a história é contada em português
e as palavras são bem branquinhas 
que nem aquele português 
seja na escola branca ou preta
tanto faz, como tanto fez

quinhentos e tantos anos depois 
o português é fazendeiro 
a embarcação é o estado brasileiro 
e com o trator do progresso 
mata índio aqui e ali
ninguém vê mais índio no brasil 
a não ser os filhos branquinhos da classe média 
na escola 
no dia 19 de abril 
lembra? 

você com o rostinho melado de tinta guache 
peninhas na cabeça 
preparando o disfarce 
mas essa carinha branquinha 
sem marcas na face 
não engana ninguém
viu, seu burguês? 
tanto faz, como tanto fez 

desce na bica 
na pica, se liga 
quadradinho de oito 
de doze, de quatro 
com a bunda pra fora rebolando 
ninguém se importa 
mas quando viu o índio pelado na porta 
pulou da cama como se sonha e disse: 
tape logo suas vergonhas

tanto faz tupã 
como tanto fez nhanderu 
kaiowá tupinambá xucuru 
xocó truká tukano 
olha só que engano 
esse livro de história 

olha lá! 

brasília virando aldeia 
takape burduna semeia 
uma flechinha certeira da mão do guerreiro 
e num instante de repente 
a flechinha faz um buraco no peito do presidente

e aí
tanto faz, como tanto fez 
se na primeira vez foi o português 
porque agora não adianta mais nada 
você viu, a esplanada? 
foi toda retomada
os ministros nem quiseram crer 
mas acreditem 
era o caboco no poder. 


Tanto faz como tanto fez

Essa músicopoesia é fruto da junção da poesia "Homem Bomba" com a trilha sonora  "O voo do arcanjo Miguel" composta por Huguêra e Claudio Lopes do álbum " Orra,  se bastam baixos". 

Essa encruza, faz parte do terceiro teaser do documentário "Os filhos de Dona Deda", com direção de Eduardo Neco. 

Arte Gráfica : João Henrique 
__________________________

A todas as Ocupações
A todas as favelas, comunidades e periferias
Aos trabalhadores e trabalhadoras 
____________________

Eu tenho aqui 
guardado dentro de mim 
um monte de bomba
e essa porra toda vai explodir. 


cês tão me ouvindo bem?

Eu tenho aqui guardado dentro de mim
um monte de bomba 
e essa porra toda vai explodir. 
É curto o pavil...

Tá vendo esses olhos fundos, tá vendo? 

É porque aqui ninguém dorme ...
A insônia tem nome de polícia, 
milícia, tá me entendendo? 

A nossa casa se chama barraco, 
O pesadelo tá fardado, armado 
Cês tão me ouvindo bem?

É pouca vida pra muita morte, 
é lona preta, é pele preta,  é reintegração de posse...
Cê sabe como é viver assim? 

Sabe? 

Não sabe, né? 

Ai vai pra rua gritar sem violência, 
sem vandalismo, 
sem partido, 
vai vestir branco e pedir paz...

Meu amigo,
Aqui,
toda camisa branca
é manchada de vermelho sangue

E paz
é uma palavra que não existe no vocabulário da rua, 

Aqui 
é carne crua,  é ferida aberta...
Ninguém tem medo de morrer  aqui não, 
muito menos de lutar, 
tão pouco de morrer lutando
A gente vai quebrar é tudo, 
vai trancar pista, 
queimar pneu
E não venha me dizer que é vandalismo, 
Tá me entendendo?
vandalismo é o que fazem com nossas vidas, 
cês tão me ouvindo bem? 
Vandalismo é o que fazem com nossas vidas.
Pacifico
só oceano, 
o nome disso aqui 
é revolta
RE-VOL- TA, 

Aqui
todo mundo
tem um monte de bomba
guardada dentro de si
e quando essa porra toda explodir...
Ai eu quero ver...

  





Homem Bomba

Poesia. 
Música. 
Jornalismo. 
Musicopoesia. 

Mais uma experimentação inacabada de uma busca incessante pela encruza da poesia e da música. Está aí, “Todo lugar é lugar”. A palavra sendo maestro dos ritmos, sons e barulhos.  A oralidade dançante da cabeça e do corpo.  

Mixagem, masterização e arranjos : Vinicius BigJonh 

* Depoimento do indígena Guarani Kaiowá Valmir sobre a situação dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul. 


Todo lugar é lugar 

lugar de pobre é em todo lugar
mesmo sabendo que nem todo lugar 
é de pobre 

salão nobre
shopping
eventos aqui acolá 
tudo sendo navalha de corte

lugar de pobre é na porta
na beirada 
na margem do rio 
da estrada
da cana

lugar de rico é fama
é sushi, sashimi 
comida italiana
passaporte pra viajar pra fora 
londres, cancun
visitar parentes em juiz de fora

mas não é assim com o pobre
quer viajar e não pode 
passear com as crianças nem pensar
domingo é dia de praia
mas nem sei se o ônibus vai passar
passou e eu perdi 
agora só de hoje a quinze 
domingo que vem trabalho em paraty condomínio fechado tudo nos trinques

lugar de pobre é aqui
na cabine de porteiro
dando bom dia pra juiz, advogado
fazendo bico de pedreiro
abrindo e fechando o portão
zelando
pela vida 
do patrão 

lugar de pobre não é na cozinha
na dispensa, no puxadinho
no quartinho de empregada debaixo da casa 

lugar de pobre é em todo lugar 
mesmo sabendo que nem todo lugar
é de pobre 

os ricos que se preparem 
pois nós iremos 
pobrematizar as vidas. 


 



Todo lugar é lugar (Prod. Pedro Bomba/Vinicius                         BigJohn)

Colares & badulaques 

te dou todas as conchas de meu colar
quando me faço mulher e mãe
quando enceno as estórias de outras
e me empresto como quem doa
em troca de nada e de ninguém
em troca de dar em suas mãos
os meus colares e badulaques
as conchas que vibram meu peito
caem e caminham por outras mãos
para deitar nas suas
linhas traçadas de destinos
é quando exponho a palma da minha mão
e leio seu nome e nossos apelidos secretos
leio os sertões de sua sede
e minhas mãos ficam suadas
enchente de sudorese excessiva
porque te dou todas as conchas
sendo manto de proteção aos animais
juntando os cristais de carbonato de cálcio
porque estudo e leio suas complexidades
quando chora me vendo cantar
e em cada concha e canto que faço
é seu nome que está escrito
estampado em meu peito
é seu nome na minha garganta
que te devolvo 
em troca de nada
e de ninguém.

produção musical : Pedro Bomba
poema: Pedro Bomba 
Gravado em Aracaju, no estúdio "meu quartinho",  em março de 2016. 


Colares & badulaques

se alguém ergue a mão e acena
ela está chamando ou despedindo-se?

Digo, a pessoa acena na intenção de tocar o céu
ou de sacudir o chão? Ou facilmente não tem nada a ver?

Porque se assim for, acho melhor cessar por aqui
É, creio mesmo que necessito parar
por vezes ao menos

mas vai dizer isso pra cabeça
Como é que fala quando a cabeça não para um só instante?

É inegável que quando dorme, descansa
mas aí nada muda
nada ou muda?

Se um trator varre a casa de alguém
em poucos segundos a casa estará ao chão
E as não paredes narrariam a história de uma gente
se erguidas permanecessem e fossem paredes, mas não
Sei que ali, por entre as ruínas, a narrativa descansa

Pelo fato dela ser arrastada por uma máquina
De quem é a culpa? Do trator? Do motorista do trator?
De quem levantou a casa naquele lugar?

No tempo em que alguém diz

vou ali e volto já
e nunca mais volta
estamos falando de abandono ou de liberdade?

Se alguém ergue a mão e balança
ela está implorando ajuda ou alisando o vento?
Extremamente barulhento certos assuntos
por exemplo


∆ ficha técnica ∆

•poema, trilha sonora e montagem: Pedro Bomba
• sons e ruídos adicionais: Ch Malves

junho de 2017, Belo Horizonte, Brazil, Latina America

Se alguém ergue a mão e acena

Registro em fita do poema Morar na literatura
Domingo, 11 de março de 2018 
Belo Horizonte, Brasil 
___________

Morar na literatura 

resolvemos o problema com a dívida do banco
decidimos ontem que não iremos pagar

faremos poemas eletrônicos nos extratos e saldos
e depositaremos nos caixas

os funcionários lerão os versos sem fundos
nada escrito nada nadinha só viagem da minha cabeça

resolvemos ontem que vamos morar juntos no mesmo barco
eu confessei sobre meus medos e lemes e cais meus sais

falei de quando quebrei o braço três vezes
e como um empurrão é uma coisa potente

falei do murro na cara que levei do ex namorado da menina
que eu me apaixonei na escola, o óculos caiu e eu não vi mais nada

o bom de apanhar numa briga é que para o resto da vida
a possível vingança está instaurada

mas eu prefiro as noites e os encontros
o prato que se come frio é demais para os meus sentimentos

resolvemos correr riscos e eu opto por um apito ao invés do medo
o som do apito vai e volta

você chamou atenção
isso que vai e volta é um boomerang seu doido

pode ser também o estado permanente dos últimos três anos afirmei
o qual faço poemas sobre coisas que não existem, palavras revuntáveis

coisas que eu vou longe demais e no fim volto como se estivesse recitando poemas para uma multidão de pessoas

elas me olham, eu as vejo
e quero que todas elas te conheçam e criem carinho por sua fome contínua
por preferir verde e roxo ao invés da propriedade privada

resolvemos morar na literatura um do outro
é isso que esse poema quer dizer

é algo gravíssimo, um erro, um equívoco
um descuido literário

morar na literatura um do outro é como confiar no vento
quase ninguém consegue enxergar mas é obvio que está ali

vejam como balançam os versos de meu cabelo.

Morar na literatura / última cassete (2018)

registro em fita do poema Quem tiver suas tralhas que carregue consigo os tumultos 
Domingo, 11 de março de 2018 
Belo Horizonte, Brasil 

_________________________

Quem tiver suas tralhas que carregue consigo os tumultos 

Dei o texto. Falei tudo. Foram madrugadas a fio pensando numa maneira de arrebentar as palavras. Não trago boca de túmulo. Não vou preservar coisas que não prestam. Falei e não me arrependo. Melhor do que ficar por aí… perambulando, segurando uma bolsa cheia de coisas dos outros. Quem tiver suas tralhas que transporte e carregue consigo os tumultos. Ele bateu na mesa pensando o quê? Isso é tudo. Sempre que ele batia na mesa espalhava sua contra-vontade de escutar umas poucas verdades. Desejar ouvir é o mesmo que botar água no copo. Só que no íntimo. Da água. Diante disso, escutou as totalidades. Posteriormente fui embora sem vista pra trás. Tudo que vivi esteve pra ontem, para o passado que nem pratico memórias, contudo lembro e foda-se. No intervalo de tempo, desaprendo, ocupo a cabeça com narrativas distintas, com histórias diferentes… Passei dois anos enchendo meu copo d’água…ouvindo as falas dele, as considerações dos “e se…” Na oportunidade de sair cedo do trabalho foi direto me encontrar. Enquanto falava, alisava minha sobrancelha, prosseguia o curso de meus rebentos. “ E se a gente casar um dia?” Sei lá, eu não pensava nisso. Eram diferentes tormentos os meus… E se a gente beijar agora
diante do mundo inteiro? Abraçados, virando a esquina na intenção de atrasos? E se da parte dele não houvesse constrangimentos, medos, dúvidas, sei lá, que porra era aquilo. Ficava num jogo de ir e voltar, de desejar e não pretender, de lamber e cuspir… E sempre num vigor despropositado que desarranjava todas as minhas causas. Os dias são difíceis de enfrentar. Quase todos são. Parece que ninguém nessa porra é apto a aceitar as pessoas e suas coragens. Já havia cuspido o urro de “vá se foder” três vezes só na volta pra casa. Ele pediu pra eu ligar quando chegasse… E eu nem cheguei

Quem tiver suas tralhas que carregue consigo os tumultos / última cassete (2018)

Registro feito em fita do poema Rupestre
Domingo, 11 de março de 2018 
Belo Horizonte, Brasil
_________________________

Rupestre 
há dezesseis mil anos tudo permanecia normal.
em sua determinada ordem encontravam-se pessoas
que apenas viviam, caçavam, comiam e contavam piadas.
até que uma delas considerando tudo normal e entediante
achou por bem ficar sozinha.
pessoal, vou dar uma volta, estou ligeiramente triste.
até hoje não se sabe a distância exata para afastar-se da tristeza ou a quantidade de fatos necessários para transformá-la.
o que se sabe é que a pessoa ligeiramente triste
deparou-se com um buraco e o que pensou
é que um buraco poderia guardar certos entusiasmos,
a começar pela escuridão que habita nele.
logo a pessoa lembrou do alegre acontecimento de algo como o fogo e ao mesmo
tempo,
custou lembranças da última vez
que aconteceu motivos tão apaixonantes como esse.
daí o motivo de considerar tudo normal e entediante.
a chama abriu a possibilidade de compreender paredes,
quis tocá-las e tocou com a palma da mão aberta.
ali fixou o primeiro desenho da humanidade
lhe causando inteira alegria.
quis, portanto, fixar seu rosto alegre ao lado dos cinco dedos para que alguém encontrasse, dezesseis mil anos depois,
as primeiras pinturas rupestres feitas por uma pessoa alegre.
mas era impossível ver a alegria estampada no próprio rosto
era impossível ver o próprio rosto alegre.
isso lhe causou ligeira tristeza,
por isso o fato de querer dar uma volta sozinha.

Rupestre / Gruta de Chauvet / última cassete (2018)

Registro feito em fita do poema Que a história chega pela metade e 
Domingo, 11 de março de 2018 
Belo Horizonte, Brasil 
__________________________

que a história chega pela metade e

Aqui instaura-se a imagem microscópica
da matéria quântica em escala subfrontal
descritas tal qual o fenômeno macroscópico

Diversos casos apontam que a palavra quântica
quer dizer quantidade
Na mecânica, a palavra refere-se a uma concordância discreta
que a presunção atribui a certas racionalidades

como a energia de um elétron contido num átomo em repouso
Como a energia de seu dialeto contido num átomo de meu pouso

É possível que desta imagem
surjam fotocélulas e arquiteturas
Surjam as ilhíneas voadoras e incansáveis

não fazem questão das órbitas
flutuam em espécie química

De modo a existir desalinhos e transtornos
sonorizações de mármore, granito, granizo, gelo e cimento
Pensar que
a argamassa se faz com suor do cansaço e do anteconhecimento
Se bem que
quem flutua, flutua, sabe o que eu medico
Você vai tomar essas pílulas, súmulas, máculas e clausuras três vezes ao dia
não, a noite, não, ao meio dia, não, a meia noite,
não, à tarde, não, quando for dormir, não, quando for acordar
espero que não seja tarde de mais
Ou de menos

Essa imagem é a confusão de meu desassossego
de minha tormenta
é a imagem e semelhança dos últimos cavalos selvagens
que habitam a costa leste de quem fala

Quando paro
a perna esquerda continua a galopes
estou sentado e ela permanece a galopes
na fila, no banco, em todos os lugares que eu paro
ela mantem-se a galopes.

Porém quando ando, ando rápido
porque há guepardos e agulhões-vela
aumentando a velocidade
Levanto a vela, demonstro quantidades

é na palavra quântica que molho a testa
com a cuia de uma mão molho o pescoço e minha cabeça
não quero que morram de sede meus pensamentos
Muito menos de fome
Muitos menos os seus
Nem os de ninguém

Por isto, essa imagem em sua frente
é a representação fiel de um rio de águas espelhadas
dispostas sob a paisagem
à espera dos cavalos e da sede das agonias.

Que a história chega pela metade e / última cassete (2018)

Sou seu amor no pedaço de mundo que escolher (por Camilla Duarte)

Amor Coraje (por Lelé Guillén)

Distraiu Jesus e roubou um carro

DEITO AO TEU LADOEM SENTINELA  
quando levanto da cama vejo teu jeito de ocupar 
meus lençóis minha ausência temporária. como se deitasse 
sobre meu corpo que não se encontra mais e está de pé 
à beira do precipício em que dormimos. te observo sonhando 
aquecendo teu corpo do lado em que me deito, 
um vulcão adormecido na cidade pequena do nosso quarto. 
faço de tudo para não te acordar tão cedo creio que o sonho 
crie imagens melhores das que vemos nas notícias.  
também não quero que durmas muito pois tenho medo 
que um país invada a porta de teu sono te fazendo 
perguntas sobre quem és o que pretende se segue a 
ordem mundial se surfa na onda conservadora. quando 
essas coisas passam por minha cabeça volto a me deitar 
ao teu lado em sentinela. atento a qualquer sinal de um 
país disposto a invadir nossa porta. imaginando que se 
vier virá com pés de projetos políticos os quais não 
estamos inclusos. muito menos nossas amigas nossos 
amigos e as pessoas que amamos. então fico deitado 
à espreita para que se pelo menos um país invadir nossa 
cidade eu possa dividir contigo as perguntas dividir 
nossos medos nossos silêncios segurar firme tua mão. 
não responderei nada ao país se caso perguntar onde estão 
nossas aliadas se geramos lucros se contribuímos com um país 
em desgoverno e revisão. apenas abraçarei teu corpo e quero 
que me abraces também. como quem abraça o tempo um animal 
um vulcão. como quem abraça um grande amor 
sem medo do sono interrompido sem medo da morte 
sem medo de nada.

Deito ao teu lado em sentinela (2020)

Welcome aos caminhos infinitos dos meus mangues é uma compilação com três poemas (por enquanto) dos poetas sergipanos Mara Rúbia, Ilma Fontes e Jeová Santana remixados e acompanhados por trilha sonora, sons, ruídos e música. 

Esses poemas foram originalmente lançados em 1997, no disco A voz, o poema, e foi produzido por Neu Fontes, Ronaldson e Jeová Santana  e reuniu poetas como Núbia Marques, Ilma Fontes, Hunald de Alencar, Jeová Santana, Mara Rúbia Lopes, Iara Vieira, Macaô, Araripe Coutinho, Amaral Cavalcante e vários outros poetas. 

Compartilho com vocês essas experimentações.

O disco A voz, o poema pode ser ouvido pelo link:https://www.youtube.com/watch?v=ZSEMdunBmbQ&t=1s

A Laranja - Mara Rúbia Lopes

Carranca - Jeová Santana

Emoções Baratas - Ilma Fontes

Série 
Escutar um poema 
_________________

Com você, tudo 
do livro O chão dispõe a queda, 2017 

Desenho: Lygia Carpe


Series
Listen to a poem
_________________

With you, everything
of the book The floor has the fall, 2017

Drawing: Lygia Carpe

Com você, tudo

Série 
Escutar um poema 
___________________

Aluguel 
do livro O chão dispõe a queda, 2017 

Desenho:  Lygia Carpe

Series
Listen to a poem
___________________

Rent
of the book The floor has the fall, 2017

Drawing: Lygia Carpe

Aluguel

Série 
Escutar um poema 
___________________

Morar na literatura
do livro Extremamente barulhentos certos assuntos, por exemplo, 2018 

Desenho: Lygia Carpe

_____________________

Series
Listen to a poem

• 

Living in literature
from the book Extremely noisy certain subjects, for example, 2018


Drawing: Lygia Carpe

Morar na literatura

Pelas gaiteiras do mangue
Uma festa uma fresta uma gangue
Um suco vermelho de tang
Duas bolsas penduradas
Uma com vento outra com nada
Guardando o tempo da lama
Puxando os pés para dentro
Se saio do mangue eu choro
Se fico me alimento
Se corro não consigo
Me segurar a tempo
O mangue é meu templo
Minha igrejinha meu altar
Minha procissão meu folguedo
Minhas oferendas pro mar
O mangue é tudo que sei
E o que sei não se pode comprar
Não se pode vender
Não se pode roubar
Digo sem falar
Grito sem gemer
Dentro do mangue
Viro mangue
E ninguém pode me ver.

Gaiteiras

Aqui está o poema
pra comprovar o vestígio.

Vestigios

Pedro Bomba (1989) é poeta e artista, nasceu em Aracaju e vive atualmente em Belo Horizonte. Seus principais trabalhos são desenvolvidos a partir da palavra falada (spoken word) e da oralidade poética. Em 2015 iniciou pesquisa de experimentação em poesia sonora gravando o EP “Amor Coragem” e “A troco de nada e de ninguém” (2016) . É autor dos livros O chão dispõe a queda (2017), Extremamente barulhentos certos assuntos, por exemplo (2018) e Pra quem não sabia nadar (2019), Editora Castanha Mecânica. 
______

Pedro Bomba

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