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A mais completa selvageria da música dos trópicos

Por Xico Sá

Digo logo de cara, vide bula: as sensações são prazerosas, os arrepios localizados vão além das zonas erógenas mais óbvias, invadem o cérebro, o cerebelo, o hipotálamo...É sauvage. Depois eu explico o uso do termo. Bora!
Posso estar maluco, creio que não muito, eu aposto: Catarina -mais Volúpia do que nunca- é a artista mais inventiva da música dos trópicos. Da música sem rótulo obrigatório, da música dos canibais que comem de um tudo e devolvem bonito, sem data de validade, como os caetés ruminando o bispo Sardinha.
La buena onda. É tudo que tira essa moça dependurada nas colinas, jardins suspensos das Olindas. Telefone sem fio com a latino-américa e com o resto do mundo, sobejo & barato do atlas vendido no camelô da esquina.
Mapa-mundi nas quadrinhas dos dizeres com acento funk, eternos mantras, vale-viagem.
As guitarrinhas safadas dizem tudo, os arranjos idem, idem. Caribe e baile de ponta de rua, substrato romântico de todos os bailes, brega é a mãe do brega. Catarina é Diana, a caçadora, Catarina é a música que não tem vergonha de dizer seu nome no sistema de som mais arrombado.
Catarina é a retomada da chanson falada, como fazia Serge Gainsbourg, Jane & Herondy, Barros de Alencar e tantos outros.
De tudo um pouco como naquele prato clássico do extinto “Buraco de Otília”, o melhor restaurante do universo. No Hellcife, claro.Sensações prazerosas. Acupuntura com agulhas de vitrola. É a técnica voluptuosa de Catarina, prestem atenção, senhoras e senhores.
Prestem atenção principalmente a duas pérolas, dois tratados modernos de antropologia selvagem: as faixas “Intercâmbio cultural” e “Intercumbia”. As duas conversam entre si, dialogam, repetem a ironia do drama, são joinhas raras na atual bijouteria universal da música pop.
Amufinada, chicletosa, kai fora, bíblica –amai-vos uns sobre os outros-, mas jamais “mulher tira-gosto”. Ai, nessa música, entra outra parte foda de Catarina: a mulher-panfleto, a fêmea-manifesto, que cria o ambiente, que veste o shortinho do tesão explícito, que toma um “ele & ela” no “Caldinho da Codorna”... Daí rebela-se, como uma arapuca para pegar macho frouxo. Escute. Não gosto de entregar todo o sentido da coisa.
“Sarará” é bonita declaração amorosa para o bofe dela, o músico Hugo Gila. Pense numa bela declaração nada submissa ao mestiço, competente e sorridente rapaz. Amo amar o amor dos outros.
E assim muito som de dentro para deixar assim tudo. Antes, porém, ô raça desunida são as mulheres. Maioria, quem diria, é o que provoca a justiceira Cats, e tudo som, vulvas em fúria & sangria desatada. 
“Hey mãe” é sobre um exílio pós-Édipo. O menino estava nos bons tratos de outra casa, outro inventado ventre, amém. 
É sauvage. Agora explico, finalmente, sampleando o velho poeta francês Charles Baudelaire: a natureza não cria nada além de monstros, e toda questão se expõe na palavra selvagem.
Só a selvageria salva. 
Subscrevo, aprecio, carimbo, amo e dou fé, Xico Sá, maio do ano da graça de 2013 


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