Dizem que a música que escutamos na adolescência marca para sempre nossa vida. Eu tive sorte de crescer nos anos do pós-punk, uma época de grandes talentos musicais, muita criatividade e muita música boa. Cresci ouvindo shoegaze e Pixies, mas antenado em todos os estilos musicais dos anos 80 e 90. Aos quinze anos fiz a minha maior façanha musical ao comprar Radioaktivity do Kraftwerk em um sebo. Aquele som mudou minha vida. Virei um fã da música eletrônica. O tempo em que vivi na Espanha e minhas viagens à Alemanha ajudaram a desenvolver ainda mais minha educação musical. Graças ao gênio do casal franco-japonês de DJs François e Iki conheci mais sobre o dub step, minimal e as novas tendências da cena eletrônica, sem falar da fantástica experiência de conhecer um ex-punk que foi ao primeiro show do Sex Pistols e uma ex-hipster que cresceu em plena cena Shibuya-kei em Tóquio, escutando toda a revolução musical japonesa dos anos 90. De volta ao Brasil, entrei em contato com DJs brasileiros, mexicanos e latino-americanos, e passei a me inteirar da gigantesca comunidade eletrônica em todo o mundo. Meu interesse atual é o minimal house, com um pé no techno e no IDM, gênero que ajudou a pavimentar meu estilo, graças às influências de Autechre, Aphex Twin e Moby. Em meu set, procuro fazer uma mescla desses três estilos, sem esquecer o talento dos DJs brasileiros e um pouco de cultura universal.

Sobre meu DJ set, posso contar uma breve história. Iniciamos nossa viagem musical com um mix de Kalkibrenner, o demônio berlinense (vide sua performance como ator em "Berlin Calling") com Moby, o anjo vegano. "Life I have isn't what I've seen", canta Leela James. Esse verso da canção demonstra a desilusão do buscador, daquele que se deixou enganar pelas ilusões de um mundo que não é o que se mostra, e que agora decide, como Ulisses na Odisseia, a voltar para casa. Dessa fusão do demoníaco e do angélico, surge a consciência do mal em "Paradise Circus" do Massive Attack, versão remixada por Gui Boratto. Mais do que todas as outras gerações, a geração X é a mais desiludida de todas, e Boratto, como bom representante geracional, demonstra em seu remixes do Massive, uma consciência dessa desilusão com a cultura de massa e com as promessas da felicidade material. "Oh, the devil make us sin", canta Hope Sandoval em um dos marcos musicais de Heligoland. A consciência do mal é necessária para atravessarmos o inferno.

E quem está no porta do infernos, como um guardião da diversidade, é Ricardo Villalobos, que nos abre para o minimal agressivo de André Bastos. Mais conhecido na Europa do que no Brasil, sua terra natal, André inova no minimal com sabor alemão. O sabor suíço do techno de Continuous mode, por sua vez, nos leva a um inferno dantesco. O som sujo do sintetizador serrilhado, o tom revolto e irascível exibe o outro lado da mente humana, esse lado inquieto, imprevisível e não-determinístico. E é Dominik Eulberg, com seu apelo idílico à natureza, que nos conduzirá de volta ao paraíso terrestre, com sua fusão de eletrônica com elementos acústicos. Por fim, para reconquistarmos definitivamente o éden miltoniano, finalizamos com a androginia de Richie Hawtin. O DJ é o senhor das ilusões. Como um flautista mágico, ele consegue seduzir sutilmente sua plateia e levá-la de volta ao Nobre Caminho Óctuplo. No próprio vídeo de "The Tunnel", ele parece nos levar a uma outra dimensão de espaço e tempo. Imóvel em seu lugar, Hawtin vê as ilusões circulando ao seu redor, mas não se apega a nada. Ele é aquele que apenas observa e nada o afeta. Esse é o paraíso. Um som limpo e contínuo, uma sensação de pura consciência. Após remixar Mory Kanté (Yeke, yeke), Hawtin, como um alquimista experiente, nos mostra o caminho em direção à felicidade.

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